quinta-feira, 19 de maio de 2011

Anquilose Dental: Etiologia, Diagnóstico e Tratamento

Laudenice L. PEREIRA*; Luiz Fernando P. CARVALHO*; Alessandro Leite CAVALCANTI**; Ana Maria Gondim VALENÇA***

Ricardo Cavalcanti DUARTE***



* Graduandos em Odontologia UFPB

** Doutorando em Estomatologia

*** Profs. Adjuntos da Disciplina de Odontopediatria UFPB





Artigo Publicado na Revista da Faculdade de Odontologia da UFBA, 2000.





RESUMO

Este artigo apresenta uma revisão da literatura sobre anquilose em dentes decíduos, abordando a etiologia, diagnóstico e tratamento.



UNITERMOS: Dentição decídua - Anquilose - Infra-oclusão





INTRODUÇÃO

Uma correta preservação da dentição decídua é uma das preocupações do odontopediatra, uma vez que qualquer interferência sobre esta, possibilitará o desenvolvimento de alterações na dentição permanente. Por conseguinte, é importante estar alerta a distúrbios que possam ocorrer na fase de reabsorção radicular do elemento decíduo que causem, em muitos casos, a sua perda precoce e, conseqüentemente, problemas na oclusão (CORRÊA et al. 1996).

Desde seus primeiros relatos, a anquilose tem sido referida com frequência. Entretanto, dúvidas persistem quanto a melhor conduta a ser adotada diante dessa patologia. Este trabalho, tem por finalidade, através da revisão da literatura, abordar aspectos relacionados à etiologia, diagnóstico, problemas correlatos e tratamento de dentes decíduos anquilosados.





REVISÃO DA LITERATURA



Conceito e Sinonímia

A Anquilose consiste na fusão anatômica do cemento dentário com o osso alveolar, podendo acontecer em qualquer fase eruptiva, antecedendo ou sucedendo a erupção do dente na cavidade bucal, fazendo com que o elemento dentário permaneça em infra-oclusão (MENDES & MENDES, 1991; COUTINHO & SOUZA, 1994; MULLALLY et al., 1995; CORRÊA et al, 1996; COUTINHO & SANTOS, 1999).

Alguns termos têm sido empregados como sinônimos da anquilose: a) "Dente Impactado", referindo-se ao dente anquilosado antes de sua erupção e b) "Infra-oclusão" ou "Dente submergido", para dentes erupcionados que, posteriormente, tornaram-se anquilosados. MUNDSTOCK & PRIETSCH (1994) acrescentaram à literatura os termos: Ancilose, Dente aderido ao osso, Dente reimpactado e Impacção secundária.

CALDAS et al. (1991) afirmaram que o termo "submerso" é impreciso devido ao dente anquilosado permanecer em um estado de retenção estática enquanto os dente adjacentes irrompem e a crista alveolar continua a crescer.



Classificação

Baseado na distância da superfície oclusal do elemento dentário anquilosado ao plano oclusal, BREARLEY & MC KIBBEN (1973) classificaram a anquilose dental em três estágios:

Leve: quando a superfície oclusal está localizada 1mm aquém do plano oclusal;

Moderado: quando a superfície oclusal encontra-se no nível do ponto de contato de um ou de ambos os dentes adjacentes;

Severo: quando a superfície oclusal localiza-se no nível ou abaixo do tecido gengival interproximal de um ou ambos os dentes adjacentes.



Etiologia e Prevalência

A etiologia da anquilose não está bem definida, sendo, ainda hoje, controversa e desconhecida. Várias são as teorias que tentam explicar esta alteração, dentre as quais destacamos: trauma oclusal, padrão genético e distúrbios metabolismo do local.

BIEDERMAN (1956) sugeriu que um distúrbio local poderia ocasionar o desaparecimento do ligamento periodontal anteriormente à reabsorção radicular fisiológica dos dentes decíduos, fazendo com que o osso e a estrutura dental entrassem em contato, resultando em fusão ou anquilose

De acordo com VIA (1964) sua etiologia estaria relacionada ao padrão genético, o qual poderia levar à anquilose.

A teoria do trauma oclusal baseia-se no fato de que forças traumáticas e mastigatórias, reimplante dentário ou injúria térmica ao periodonto poderiam ser responsáveis pela anquilose (MUNDSTOCK & PRIETSCH, 1994).

Contudo, muitas outras causas têm sido apontadas. As comumente citadas incluem: deficiência na força de erupção; possíveis forças que exerçam pressão no arco dentário; morfologia facial; infecção; pressão anormal da língua; crescimento vertical do osso alveolar deficiente; erupção ectópica do primeiro molar permanente; ausência congênita do dente permanente sucessor correspondente e reimplante dental (MENDES & MENDES, 1991; LEITE & RODRIGUES, 1997).

De acordo com MUNDSTOCK & PRIETSCH (1994), a prevalência varia de 1,3% a 15%, não diferindo quanto ao sexo, sendo mais comum nos primeiros e segundos molares decíduos inferiores. Segundo os autores, 61,3% dos casos de anquilose são classificados como de grau leve, 30,4% de grau moderado e 8,3%, severo. A anquilose na maxila parece progredir mais rapidamente e causar problemas de oclusão mais severos (CORRÊA et al, 1996). Não se observa anquilose em dentes anteriores a não ser que haja lesão traumática do elemento (MENDES & MENDES, 1991).



Diagnóstico

CALDAS et al. (1991) relatam que deve-se suspeitar de anquilose quando o molar decíduo estiver abaixo do plano oclusal. Os sinais clínicos são: completa perda de mobilidade do dente, um som característico à percussão (diferente daquele produzido por um dente normal) e, radiograficamente, a perda de continuidade da membrana periodontal nas áreas de anquilose (EINCHEBAUN, 1977).

Para um correto diagnóstico deve-se utilizar meios auxiliares (MENDES & MENDES, 1991; MUNDSTOCK & PRIETSCH, 1994; RUSCHEL et al., 1996; LEITE & RODRIGUES, 1997; COUTINHO & SANTOS, 1999):

Exame visual: o dente encontra-se em um plano inferior de oclusão com relação aos dentes adjacentes, podendo haver extrusão dos antagonistas;

Teste de mobilidade: pode-se constatar também certa perda de mobilidade do dente afetado quando comparada à de elementos normais;

Exame radiográfico: observa-se uma solução de continuidade do espaço relativo ao ligamento periodontal, o que sugere fusão entre osso alveolar e tecido dentário. Este aspecto pode não ser identificado na radiografia quando se tratar de um ponto microscópico, localizar-se na área de bifurcação das raízes, ou devido a uma própria condição da radiografia que não permite o diagnóstico da anquilose nas regiões palatina/lingual e vestibular. CORRÊA et al (1996) complementam que a reabsorção radicular combinada à sobreposição do trabeculado ósseo pode ser confundida com anquilose.

Teste ou exame de percussão: utilizando-se o cabo do espelho bucal, percute-se o dente em questão e adjacente normal, comparando a diferença dos sons emitidos. O elemento anquilosado produz um som claro enquanto que o normal, som surdo. No entanto, DIAS et al., (1994) ressaltam que dentes com pequenas áreas de anquilose podem não apresentar essa característica. Segundo MULLALLY et al. (1995) o diagnóstico clínico pela percussão e teste de mobilidade só é confiável quando 20% ou mais da superfície da raiz está afetada.



Seqüelas

De acordo com a literatura consultada, os problemas associados a presença de um dente anquilosado na arcada são vários (MENDES & MENDES, 1991; VALADARES NETO et al., 1993; DIAS et al., 1994; COUTINHO & STULBERG, 1995; CORRÊA et al, 1996; LOPES & AMARAL, 1997; COUTINHO & SANTOS, 1999):

No Molar Decíduo Afetado: atraso na esfoliação, exacerbação do processo e dificuldades na exodontia - fragmentos radiculares;

No dente (pré-molar) sucessor: deslocamento do germe e trajetória anormal de erupção, atraso na erupção, impacção, rotação, distúrbios no desenvolvimento radicular, redução do osso alveolar de suporte, podendo determinar a exposição radicular do dente vizinho, defeito no esmalte (hipoplasia ou hipocalcificação).

Na Oclusão: inclinação axial incorreta dos dentes adjacentes, diminuição do perímetro do arco, risco de cárie e doença periodontal dos dentes vizinhos, extrusão dos dentes antagonistas, hábitos de interposição de língua, mordida aberta posterior/lateral, aprofundamento da curva de Spee



Tratamento

A revisão literária sugere, basicamente, quatro condutas frente à anquilose (MUNDSTOCK & PRIETSCH, 1994; COUTINHO & STULBERG, 1995; CORRÊA et al, 1996; LEITE & RODRIGUES, 1997).

Exodontia: a partir da premissa que poderão estabelecer-se maloclusões, considerando-se a necessidade ou não de manutenção ou recuperar de espaço. MENDES & MENDES (1991) complementam que a exodontia precoce está indicada em três situações clínicas: distúrbios oclusais com severa inclinação dos dentes vizinhos e perda de espaço, má posição do germe do dente permanente sucessor acompanhado de reabsorção radicular do dente decíduo e uma infra-oclusão discrepante;

Luxação Cirúrgica: liberando o dente da fusão sem, no entanto, extraí-lo. Tal procedimento é mais usado na anquilose de dentes permanentes (RUSCHEL et al., 1996);

Restauração dos Contatos Proximais e Oclusais: utilizando-se de resina composta ou coroa metálica;

Proservação Clínica/Radiográfica do Dente Anquilosado (SILVA FILHO et al, 1992; VALLADARES NETO et al., 1993; RUSCHEL et al., 1996.

VALLADARES NETO et al. (1993) indicam apenas tratamento para casos de infra-oclusão severa, para evitar a ocorrência de infra-oclusão submucosa. Nesses casos há consenso em se preconizar a remoção cirúrgica associada à terapia ortodôntica.

RUSCHEL et al., (1996) relatam que a indicação do tratamento de molares decíduos anquilosados depende de fatores como: idade do paciente, extensão da infra-oclusão, grau de inclinação dos dentes vizinhos, presença e localização do sucessor permanente. Caso haja agenesia deve-se permitir a mesialização natural dos elementos para fechamento do espaço ou, manter o espaço para instalação de uma futura prótese.



DISCUSSÃO

A presença de dentes anquilosados no arco pode complicar a erupção e o desenvolvimento dos dentes permanentes sucessores (COUTINHO & SANTOS, 1999). Graves problemas podem ocorrer, dentre os quais: atraso na esfoliação, deslocamento do germe sucessor, atraso na erupção, impacção, rotação, distúrbios no desenvolvimento radicular, diminuição do perímetro do arco, extrusão dos dentes antagonistas e aprofundamento da curva de Spee (MENDES & MENDES, 1991; VALADARES NETO et al., 1993; DIAS et al., 1994; COUTINHO & STULBERG, 1995; LOPES & AMARAL, 1997). Estas seqüelas podem resultar em maloclusão.

Por conseguinte, o diagnóstico precoce permite ao odontopediatra instituir o tratamento apropriado, de modo a evitar complicaçõe sérias futuras (COUTINHO & STULBERG, 1995; CORRÊA et al., 1996).

Uma variedade de opções de tratamento tem sido sugeridos, variando desde a exodontia do elemento à proservação clínica/radiográfica (MENDES & MENDES, 1991; MULLALLY et al., 1995; RUSCHEL et al., 1996). Todavia, segundo DIAS et al. (1994) a conduta a ser adotada dependerá da idade da criança, do grau de envolvimento do dente sucessor e da severidade dos danos causados pela anomalia.



CONCLUSÕES

Com base na revista da literatura, conclui-se que:

As causas da anquilose em muitos casos permanece obscura, impossibilitando a prevenção dessa alteração. Logo, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado é de suma importância;

A anquilose determina alterações estruturais próprias em cada caso. Dependendo da intensidade, poderá alterar o processo alvéolo-maxilar interferindo no crescimento e desenvolvimento normais das estruturas maxilares;

O tratamento da anquilose, dentre outros fatores, dependerá da correlação entre o grau de infra-oclusão e a idade do paciente. Apesar da impossibilidade do estabelecimento da auto-correção, esta deve ser considerada.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



1. BIEDERMAN, W. The incidence and etiology of tooth ankylosis. Am J Orthodont, v.42, p.12, 1956.

2. BREARLEY, L. J.; McKIBBEN, D. H. Ankylosis of primary molar teeth. I. Prevalence and characteristics. II. Longitudinal study. J Dent Child, v.40, n.1, p.56-43, 1973.

3. CALDAS, Z. D. et al. A. Molares Decíduos Superiores: estudo radiográfico em indivíduos portadores de molares decíduos superiores anquilosados submersos. Rev Assoc Paul Cir Dent, v.45, n.2, p.437-441, mar./abr., 1991.

4. CORRÊA, M. S. N. P. et al. Anquilose dental: relato de um caso pouco freqüente. Rev Assoc Paul Cir Dent, v.50, n.1, p.50-54, jan./fev., 1996.

5. COUTINHO, T. C. L.; SOUZA, I. P. R. Contribuição ao estudo da anquilose de molares decíduos em crianças e sua relação com os dentes permanentes sucessores. RBO, v.51, n.5, p.18-23, set./out., 1994.

6. COUTINHO, T. C. L.; STULBERG, I. Anquilose precoce de segundo molar decíduo inferior: relato de um caso. RBO, v.52, n.1, p.52-55, jan./fev., 1995.

7. COUTINHO, T. C.; SANTOS, M. E. O. Anquilose e reabsorção radicular. RGO, v.47, n.4, p.187-190, out./dez., 1999.

8. DIAS, F. L. et al. Anquilose dental em molares decíduos. Rev Assoc Paul Cir Dent, v.48, n.4, p.1409-1413, jul./ago.,1994.

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11. LOPES, T. C.; AMARAL, M. A. T. Anquilose múltipla de molares permanentes. RGO, v.45, n.2, p.89-92, mar./abr., 1997.

12. MENDES, S. M. A.; MENDES, S. M. A. Conduta para dentes decíduos anquilosados. RBO, v.48, n.1, p.11-16, jan./fev., 1991.

13. MULLALLY, B. H. et al. Ankylosis: an orthodontic problem with a restorative solution. Br Dent J, v.179, n.11/12, p. 426-430, Dec., 1995.

14. MUNDSTOCK, K. S.; PRIETSCH, J. R. Anquilose de molares decíduos. Rev Odonto Ciência, v.9, n.18, p.101-113, 1994.

15. RUSCHEL, H. C. et al. Anquilose dentoalveolar de molares decíduos: preceitos literários para uma conduta clínica racional. RBO, v.53, n.6, p.48-52, nov./dez., 1996.

16. SILVA FILHO, O. G. et al. A influência da infra-oclusão de molares decíduos no desenvolvimento do pré-molar sucessor. Rev Assoc Paul Cir Dent, v.46, n.3, p.761-764, mai./jun., 1992.

17. VALLADARES NETO, J. et al. Infra-oclusão submucosa de molar decíduo: relato de um caso clínico. ROBRAC, v.3, n.6, p.8-11, mar., 1993.

18. VIA, W. F. Submerged deciduous molar: familial tendencies. J Am Dent Assoc, v.60, p.127-129, 1964.

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