quinta-feira, 19 de maio de 2011

Displasia Ectodérmica Hereditária:Etiologia,Diagnióstico e Tratamento

Alessandro L. CAVALCANTI**, E. SANTOS**, O. ALTAVISTA**

ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA PAULISTA DE ODONTOLOGIA, n.6, 1998.

Profs. do Curso de Atualização em Odontopediatria da FDCTO - USP



Resumo

Este artigo tem por finalidade principal, oferecer uma contribuição ao Clínico-Geral e ao Odontopediatra que atendem pacientes portadores de Displasia Ectodérmica Hereditária no que diz respeito ao diagnóstico, etiologia e tratamento desta anomalia.



PALAVRAS-CHAVE: Displasia ectodérmica, Oligodontia.



INTRODUÇÃO

A displasia do ectoderma é uma anomalia que afeta as estruturas ectodérmicas. Consiste de alterações genéticas e ambientais, caracterizada pela ausência, atraso ou desenvolvimento incompletos de uma ou mais estruturas derivadas do ectoderma (cabelo, glândulas sudoríparas e unhas).

Por existirem muitas variações da displasia ectodérmica, torna-se imprescindível a identificação do tipo exato apresentado pelo paciente, de forma que se possa determinar as desordens de ordem médica e odontológica presentes.

Este artigo tem por finalidade principal, oferecer uma contribuição ao Clínico-Geral e ao Odontopediatra que atendem pacientes portadores de Displasia Ectodérmica Hereditária, no que se refere à etiologia, características clínicas, diagnóstico e as diversas formas de tratamento.



ETIOLOGIA E PREVALÊNCIA

As displasias do ectoderma são desordens heterogêneas que afetam os tecidos originários do ectoderma e, ocasionalmente, aqueles de origem não ectoderma (KUPIETZKY & HOUPT, 1995; MAIA et al.7, 1995; SALVATORE & COWPER9, 1991;TAPE & TYE12, 1995). A sua prevalência na população é de 1:100.000 nascimentos (KUPIETZKY & HOUPT, 1995; TAPE & TYE12, 1995).

KUPIETZKY & HOUPT 5 (1995) relatam que, historicamente, os dados que descrevem a displasia ectodérmica datam de Darwin, que a observou em 1838. Ainda segundo estes autores, Christ, em 1913, a definiu como um defeito congênito do ectoderma, e Weech, em 1929, impressionado pela ausência de função das glândulas sudoríparas, a denominou de displasia do ectoderma anidrótica.

Existem muitas variações da displasia ectodérmica; estimativas indicam que elas são mais de 120 tipos. Entre as síndromes mais comuns, estão: Ellis-Van Creveld (Displasia Condroectoderma), Incontinentia Pigmenti, Síndrome Xeroderma Pigmentosa, Síndrome de Clouston e Displasia do Ectoderma Rapp-Hodgkin.

A Displasia do Ectoderma Hipohidrótica (anidrótica), também conhecida como Síndrome de Christ-Siemens-Touraine e Displasia do Ectoderma Hidrótica são as mais comuns (CORREA et al.2, 1982; FARRONATO et al.3, 1987; TAPE & TYE12, 1995). Na primeira, observa-se uma desordem genética recessiva ligada ao sexo, enquanto que na segunda ocorre uma transmissão genética autossômica dominante.

Crianças com displasia ectodérmica podem apresentar várias manifestações da doença que diferem na gravidade e podem ou não envolver os dentes, pele, cabelo, unhas e glândulas sudoríparas e sebáceas, tornando difícil a classificação da mesma (KUPIETZKY & HOUPT 5, 1995).

Na displasia ectodérmica anidrótica, observa-se a tríade de hipotricose, hipohidrose e hipodontia, nariz em forma de "sela", sobrancelhas e cílios ralos, pele fina e delicada com aspecto ressecado, decorrente da ausência ou diminuição do número de glândulas sebáceas e sudoríparas (CORREA et al.2, 1982; FARRONATO et al.3, 1987; GUEDES-PINTO4, 1995; LIBÉRIO et al.6, 1984; MAIA et al.7, 1995; TAPE & TYE12, 1995; ULUSU et al.13, 1990). A hipertermia decorrente da sudorese deficiente é um quadro comum, sendo, portanto, uma ameaça à vida.

A displasia ectodérmica hidrótica, caracteriza-se por unhas distróficas, pêlos escassos, bossa frontal e anomalias dentárias (MAIA et al.7, 1995).

Os parentes relatam que os médicos pediatras foram incapazes de diagnosticar os sintomas da doença nos primeiros anos de vida e que o odontopediatra foi o primeiro a diagnosticá-la, devido as suas manifestações bucais (KUPIETZKY & HOUPT5, 1995).



CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

As características faciais de uma criança afetada consiste de uma testa proeminente, cabelo ralo e fino, depressão nasal, hipodontia e dentes cônicos. Estas características faciais podem ser graves, discretas ou quase ausentes. A pele é seca devido a deficiência das glândulas sudoríparas (FARRONATO et al.3, 1987; KUPIETZKY & HOUPT 5, 1995; MAIA et al.7, 1995; SALVATORE & COWPER9, 1991;STRASSLER11, 1995; ULUSU et al.13, 1990).

As anomalias dentárias podem incluir ausência completa das dentições decídua e permanente ou, mais comumente, redução no número de dentes. Os dentes podem também apresentar defeitos morfológicos, assumindo um formato cônico (LIBÉRIO et al.6, 1984). Pode-se observar hipoplasias, o que pode aumentar a susceptibilidade dos dentes à cárie.

A ausência de dentes resulta em menor desenvolvimento do osso alveolar e pode dar à criança um aspecto facial semelhante a um paciente idoso desdentado (KUPIETZKY & HOUPT 5, 1995). O processo alveolar não se desenvolve na ausência de dentes. Em algumas áreas com dentes, a crista alveolar é pouco desenvolvida. A mucosa oral mostra-se seca e a secreção salivar diminuída (TAPE & TYE12, 1995).

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é baseado na hiperpirexia, a falta ou tipo de cabelo, ausência de dentes e germes dentários e morfologia dentária (STRASSLER11, 1995). Durante a infância o diagnóstico é difícil porque as manifestações da displasia ectodérmica envolvendo os dentes e cabelo e a incapacidade de transpiração são difíceis de serem detectadas (MAIA et al.7, 1995). Consequentemente, o diagnóstico não é feito até que seja detectado atraso na erupção dentária (KUPIETZKY & HOUPT 5, 1995).

A hipodontia pode ocorrer de forma isolada ou como parte da síndrome. Muitas síndromes podem se manifestar por redução na dentição decídua e permanente.



TRATAMENTO

Uma vez feito o diagnóstico, o paciente deve ser apresentado aos possíveis tratamentos alternativos (FARRONATO et al. 3, 1987; KUPIETZKY & HOUPT 5, 1995; STRASSLER11, 1995; TAPE & TYE12, 1995) que podem incluir:

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tratamento futuro, ou seja, aguardar até a fase final da adolescência;
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próteses parciais removíveis ou completas;
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tratamento ortodôntico;
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alteração estética dos dentes presentes com resina composta;
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prótese fixa;
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implantes ósseo-integrados.

Muitas crianças requerem um tratamento extensivo, o qual é de suma importância para o desenvolvimento da auto-imagem positiva.

O maior objetivo para o odontopediatra é dar à criança um atendimento bucal que melhore sua estética e função, permitindo que o paciente desenvolva-se fisica, emocional e socialmente. Apesar da necessidade de substituição periódica da prótese, decorrente do crescimento e desenvolvimento, os efeitos benéficos deste tipo de intervenção sobressaem-se ao custo.

Com as dentaduras colocadas, a criança começa a experimentar uma grande variedade de comidas. Melhora a articulação e a estética e, também, a auto-estima. As crianças são levadas à higiene oral e elas mesmas cuidam de seus aparelhos. O sucesso é possível com crianças tão jovens quanto 3 anos de idade (KUPIETZKY & HOUPT 5, 1995).

O tratamento é a longo prazo, sendo um processo ativo que deve ser constantemente adaptado ao desenvolvimento e crescimento infantil. As normas usuais do tratamento consistem da confecção de uma dentadura para um paciente tão jovem quanto 3 anos de idade. Com o crescimento infantil, a dentadura deve ser modificada ou substituída. Durante a fase de dentição mista, a prótese necessitará de modificações para acomodar a perda dos dentes decíduos esfoliados e a erupção dos permanentes correspondentes. Quando o paciente estiver na fase de dentição permanente, a prótese parcial removível deverá ser substituída por uma prótese fixa, dependendo do número e posição dos dentes permanentes remanescentes (KUPIETZKY & HOUPT 5, 1995; SCHNEIDMAN et al.10, 1988).

Segundo MOYERS8 (1988) o crescimento ósseo alveolar ocorre em resposta à erupção dentária, sendo adaptado e remodelado de acordo com as necessidades dentárias e sofrem reabsorção quando os dentes são perdidos.



DISCUSSÃO

A análise de um grande número de casos na literatura revela que esta síndrome é transmitida de forma recessiva ligada ao cromossomo X 6. É de importância significativa o aconselhamento genético, o qual pode e deve ser realizado pelo cirurgião-dentista. Desta forma, para a realização do mesmo, torna-se imprescindível o diagnóstico correto, bem como o embasamento científico no que se refere às manifestações clínicas e aos aspectos hereditários da síndrome em questão 6.

Medidas estéticas e protéticas devem ser instituídas tão precocemente quanto possível . O tratamento de crianças com displasia ectodérmica deve ser cuidadosamente planejado por um grupo de profissionais que coordenarão o diagnóstico, tratamento e acompanhamento da criança. Recomenda-se que este grupo apresente: médico pediatra, odontopediatra, protesista, dermatologista, otorrinolaringologista, fonoaudiólogo e psicólogo 1, 12. O médico pediatra deve estar familiarizado com o tempo e seqüência de erupção da dentição decídua. Quando os dentes forem perdidos, deve-se procurar encaminhar o paciente ao cirurgião-dentista, de preferência um odontopediatra, a fim de realizar o exame radiográfico correto. Este profissional deverá ser capaz de determinar se os dentes estão ausentes ou se ocorre um atraso na erupção dentária. A presença ou a ausência no desenvolvimento dos dentes permanentes também deverão ser detectadas 5.

Muitos cirurgiões-dentistas mostram-se relutantes em atender crianças pequenas com displasia do ectoderma porque o tratamento geralmente consiste de dentaduras, as quais eles crêem serem de confecção difícil. Esta recusa se deve ao fato de receberem muito pouco ou quase nenhum conhecimento sobre a confecção e o acompanhamento de uma prótese em um paciente infantil, especialmente o odontopediatra 5. As crianças facilmente se adaptam às próteses removíveis com um preparo e motivação adequados 5.

O tratamento da criança com displasia do ectoderma requer conhecimentos sobre o crescimento e desenvolvimento, psicologia, a fabricação da prótese, a modificação estética de dentes existentes com resina composta, a motivação do paciente e pais quanto ao uso da prótese e o acompanhamento a longo prazo para a modificação ou substituição da prótese 5, 12.



CONCLUSÕES

O paciente com Displasia do Ectoderma pode ser tratado de várias formas, dependendo de cada caso em particular. O sucesso de qualquer tratamento está condicionado à avaliação, diagnóstico e plano de tratamento corretos da situação clínica existente para um dado paciente. As decisões referentes à complexidade do tratamento requerem uma avaliação completa, examinando-se os tecidos moles, tecidos duros e as relações oclusais existentes.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BAKRI, H.; RAPP, R.; HADEED, G. Clinical management of ectodermal dysplasia Ped Dent, v.19, n.3, p.167-171, Spring, 1995.

2. CORRÊA, M. S. N. P.; CANDELÁRIA, L. F. A.; FAZZI, R. Displasia hereditária ectodérmica: casos clínicos Rev Assoc Paul Cirur Dent, v.36, n.6, p.626-631, nov./dez., 1982.

3. FARRONATO, G. P.; CAMBRIA, P.; LISA, M. Le displasie ectodermiche: contributo clinico Mondo Ortod, v.12, n.2, p. 39-52, mar/apr., 1987.

4. GUEDES-PINTO, A. C. - Odontopediatria, 5ª ed., São Paulo, Ed. Santos, 1995

5. KUPIETZKY, A. & HOUPT, M. Hypohidrotic ctodermal dysplasia: characteristics and treatment Quint Int, v.26, n.4, p.285-291, April , 1995.

6. LIBÉRIO, S. A.; SOLANO, M. C. P. P.; GLEISER, S. GLEISER, R. Displasia ectodérmica hipohidrótica: apresentação de 2 casos Rev Bras Odont, v.41, n.6, p.14-17, nov./dez. 1984.

7. MAIA, L. C.; MODESTO, A.; BASTOS, E. Tratamento multidisciplinar em portadores de displasia ectodérmica hereditária. Rev Odontopediatr Atual Clín, v. 4, n. 4, p. 165-174, out./ nov., 1995.

8. MOYERS, R. Ortodontia, 3a ed., Rio de Janeiro, trad. Décio R. Martins, ed. Guanabara, 1988.

9. SALVATORE, J. E.; COWPER, T. R. Overdentures in partial anodontia: simple solutions for complex problems Compend Contin Educ Dent, v. 12, n. 3, p. 172-177, March, 1991.

10. SCHNEIDMAN, E.; WILSON, S.; SPULLER, R. L. Complete overlay dentures for the pediatric patient: case reports Ped Dent, v.10, n.3, p.222-225, Dec., 1988.

11. STRASSLER, H. E. Planning with diagnostics casts for success with direct composite resin bonding J Esthet Dent, v.7, n.1, p. 32-40, 1995.

12. TAPE, M. W. & TYE, E. Ectodermal dysplasia: literature review and a case report Compend Contin Educ Dent, v.16, n.5, p.524-528, May, 1995.

13. ULUSU, T.; ALACAM, A.; ISCAN, H. N.; UCUNCU, N. The relation of ectodermal dysplasia and hypodontia J Clin Ped Dent, v.15, n.1., p. 46-50, Fall, 1990.

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